terça-feira, 7 de março de 2017


José da Silva Moreira - Professor e Poeta
Natural de Braga


O que aqui me traz, de facto, é uma abordagem ao novo livro de José Moreira da Silva, “Ósculo na Areia” - SONETOS - Edições Calígrafo. Relendo-o, o que me ofereceu um prazer imenso, pude observar, no correr destes bem mais que uma centena de sonetos, o rigor do ritmo e a sua harmonia, a sobriedade de uma rima difícil e rica e, a um terceiro tempo, a sonoridade musical que deles sobressai, argumentos que me cativam e que sigo de página em página, numa leitura atenta que me enche a alma e me encanta. Poemas que considero ética e socialmente interventivos em que o autor se apronta na exigência da mensagem, tendo apostado na singularidade desta obra, o que lhe dá verdadeira amplitude literária.

Entre outras grandezas, em que toma relevo alto a arte, depressa me apercebo que este livro de Moreira é, em si mesmo, uma arte na própria arte, fazendo dela parte uma aliança da solidariedade, testemunho que se eleva em relação ao homem (e este com a natureza), o detalhe levado à tona de uma textura conjugada numa harmonia musical que lhe dá precisa identidade poética. Assim:

“Criança
Eras lágrima de sal, ósculo na areia,
Polícroma vaga em finos horizontes,
Linha de terra, ilhas verdes, altos montes,
Sonho de fogo em noite de lua cheia...

Eras, amor, eras espera, eras sereia,
Enlace doce, via líquida de pontes,
Foz, primavera, rosas, encantadas fontes,
Anseio irretorquível, labareda, ideia!...

Estrugem, horrendos, espíritos de treva,
Réprobos frutos do ventre inteiro de Eva,
E choro, fujo, adormecido na bonança...

A tua fúria, mar, o desamor de Europa,
Os dentes do mostrengo, marte, a sua tropa...
Mas ninguém viu que eu era só uma criança?

Aqui o poeta arranca uma funcionalidade da mensagem, quase única, fonte pura a espanar-se no leito da página, o timbre que aflui contra o fio de enigmas perturbadores a que o autor apelida e estrugem, espíritos de treva e, no terceto seguinte lamenta, a fúria, o desamor do mostrengo, ou, nesta visível inquietação, fazendo questão de citar «a sua tropa». E a questão evidencia-se agora como luz repentina entre o famigerado apagão causado pelos espíritos de treva: 
«Mas ninguém viu que eu era só uma criança?»
Uma voz contra o abandono e o esquecimento.
Tudo, portanto, é movimento e intensidade, vivência, trabalho exaustivo, enunciação, apelo, registo que a arte impõe pela raiz do sentimento do poeta. Como no dizer da autora do prefácio, Micaela Ramon “Na maior parte dos sonetos, o poeta assume a dupla condição de sujeito da enunciação e do enunciado para expressar os seus próprios sentimentos e vivências...”
Daí a poesia, esse pensamento convertido em emoção, encontrar exaltação na palavra, o seu caudal comunicativo, com suporte nesta trilogia: o seu sentido semântico, o seu sentido rítmico e o seu sentido musical. 

*) Pequeno excerto do texto 
que fará parte da obra "Um outro Olhar pela Escrita" 

1 comentário:

  1. Muito interessante esta visão que nos dá da poesia de José Moreira. Uma poesia que encontra no sonetos a forma de expressão mais relevante e que o Álvaro "lê" bem rente ao sentir.

    Bj.

    Lídia

    ResponderEliminar