quarta-feira, 4 de julho de 2012


Álvaro de Oliveira
 vai menino meu

vai, menino meu, vai. entra na densa floresta. estima as árvores e as aves, recebe a brisa que te beija o rosto, leva na algibeira todas as palavras que aprendeste e um rio entre as mãos para acudires às manhãs feridas de cansaço.
vai, menino meu, não enumeres os passos nem as estrelas que hás de calçar, uma a uma, reféns das sandálias cozidas pelo tempo. vai, coloca o olhar à tua exacta medida, para domares as feras que atacam a floresta e não te deixes dominar por elas.
segue a rota dos meus poemas. lê-os, um a um, em voz alta para acordares os meninos que morrem nos campos de refugiados. segue, passo a passo, o trilho sinuoso dos meus versos, onde o sol retoma a cor dos dias e recusa pôr-se em cada fim de tarde. vai. descobre os salões das prostitutas de luxo nos casinos soberbos, sem que lhes toques na auréola do vestido. esse é o espaço dos cínicos que roubam o pão aos pais dos meninos que morrem juntos nos campos de refugiados ou o limbo onde burgueses e beatas deixam o seu bafo.

1 comentário:

  1. Uma "prece" de enorme sensibilidade configurada na criança, isto é, no futuro que se vai revelando inquietude e incerteza.

    Parabéns por este espaço. Desejo que cada grão nesta "Eira" se faça alimento, se não para o corpo, para a alma...

    Lídia

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