terça-feira, 29 de novembro de 2011

Álvaro de Oliveira


                                  
   Uma estória do rebanho



Era domingo. Meu avô convidou-me para um passeio. Era sempre ao domingo que meu avô passeava comigo. Na véspera, lavou o carro, com a minha ajuda. Eu gostava de lavar o carro com o meu avô, era um DKV. Gastava mais água que gasolina de mistura. Gastava pouco... nem sei, neste tempo de crise, por que raio os ditadores da Troica ainda não impuseram aos países da Europa o fabrico de carros destes... Era boé de fixe. Não tarda, e compro uma dessas carripanas como fazem esses aselhas que não conseguem a carta nem à trigésima vez. Bom, lá fomos pelo alto Minho.
Antes de chegarmos a Valença, pedi a meu avô que virasse à esquerda a caminho de Cerveira. Eu já conhecia a história da muralha, contada por meu avô, noutras viagens. Era uma história chata e mesquinha. Meu avô fez-me a vontade: virou à esquerda para Cerveira. Num dos lados da estrada, via-se o mar; do outro, via-se o monte. E lá fomos. Meu avô falava-me do mar... Eu já conhecia a história: nobre povo... o caminho marítimo... enfim.
Pára avô, pára! Olha ali uma cabra no cimo do monte.* E é grande! Meu avô falava... mas eu já estava noutra onda, noutro filme: uma passagem de infância com minha prima Lucinda. Subíamos o monte com o rebanho de cabras para o pasto. Lucinda, pé ante pé, ia ficando para trás. Depois pedia: espera por mim! Mas eu seguia com atenção ao rebanho. As cabras são muito paradas, mas às vezes correm. Era o caso de agora: estavam ansiosas por chegarem ao cimo, onde estava a outra cabra, que meu avô dizia ser uma escultura em ferro. E Lucinda gritava: espera por mim!
Ora, como eu não respondia ao solicitado, minha prima optou pela sedução infantil: eu mostro-te o meu barco!... Numa de barcos estava meu avô ao recuar, uma vez mais, ao tempo das descobertas, e outra vez lá com os herois do mar... o nobre povo... coisinha que nunca me cativou. Esperei. Coitada da Cindinha, como lhe chamava meu avô, que já não podia dar mais um passo que fosse, de tão cansada. Mesmo assim, continuava com a proposta infantil e absolutamente ingénua: eu mostro-te o meu barco e tu mostras-me o teu pau.
Olha o meu pau!... Um metro e cinquenta centímetros. Da minha altura: Era de salgueiro, oferecido por meu avô há uns bons anos... ia dizer atrás; mas não se diz...
Vi que meu avô ficou triste por eu não ligar patavina às histórias do mar. Tão triste, que me fez lembrar a prima Cindinha por eu não ligar nada ao barco dela. Às tantas perguntou: Que te diz o mar? Uma ideia de barcos, avô... mas, de pesca. Respondi, a pensar na minha prima Lucinda.
                                                                                    

                                                                                                Álvaro de Oliveira


* Escultura do Cervo, do Mestre José Rodrigues
Miradouro da Encarnação. Cerveira.

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